Quando
teria surgido a Literatura Brasileira? Feita assim,
de imediato, a pergunta pode parecer um contra-senso,
mas com certeza adquire uma inesperada procedência
quando percebemos tratar-se de uma questão
que ultrapassa o mero âmbito das formalidades
cronológicas para atingir, em cheio, a própria
concepção do que seja a literatura,
devidamente balizada pelo epíteto brasileira.
Uma discussão, aliás, que se adensa
na medida exata de nossa consciência diante
do irretorquível fato de que a Literatura Brasileira
tem sido considerada uma das mais significativas manifestações
culturais a marcar, de modo indelével, o lastro
identitário nacional.
O Brasil conheceu um período colonial que,
formalmente, se estendeu do início do século
XVI até sua independência, na primeira
metade do século XIX. Neste período,
incontáveis eventos contribuíram direta
ou indiretamente para a formação do
país como nação politicamente
independente, autonomia que contribuiria, paulatinamente,
para uma conformação cultural própria.
Contudo,
ao par de uma expressão literária particularizada
a qual, não obstante, mantinha-se caudatária
de uma série de traços culturais alienígenas
surgiam também os problemas concernentes a
uma condição tão singular. É
o que se pode verificar com a chamada Literatura
de Informação, tal como é
conhecida nos meios acadêmicos nacionais as
primeiras manifestações literárias
em terras brasileiras, ainda no século XVI.
De
acordo com os manuais de literatura, tal expressão
estética constituiu-se na nossa primeira escola
literária, tendo conhecido o desenvolvimento
de diversos gêneros, nomeadamente a narrativa
epistolar, a poesia didático-religiosa, a prosa
informativa e a crônica historiográfica.
Ocorre que nem todas as obras produzidas sob tais
denominações podem ser consideradas,
ipsis litteris, de informação,
como sugere a nomenclatura dada à escola. Um
confronto entre a célebre epístola de
Caminha e a poesia teológica de Anchieta já
é suficiente para chamar nossa atenção
para a complexidade deste problema, que embora de
natureza taxionômica, acaba comprometendo o
próprio entendimento da produção
literária do período. O lapso metodológico
aí presente, ao se considerar um período
tão eclético sob uma perspectiva unificadora,
é facilmente explicado: a denominação
genérica dada à produção
da época não se refere, na realidade,
senão à manifestação particular
dos textos deliberadamente informativos. Assim, a
denominação que deveria ser dada a apenas
um parco conjunto de obras acabou se estendendo para
toda o período literário, desrespeitando
a particularidade de cada gênero e as idiossincrasias
de cada autor, o que, finalmente, acabou provocando
uma verdadeira desordem conceitual. Em mais de um
sentido, as obras aqui produzidas no período
tiveram como característica principal a pluralidade
de conceitos, o que torna a denominação
dada ao conjunto no mínimo precária.
Embora
a colocação de semelhante problema pareça
ter sentido apenas numa discussão de natureza
classificatória, reputamos importante ressaltar
este aspecto da crítica brasileira, na medida
exata em que questões de caráter taxionômico
acabam, direta ou indiretamente, influenciando a própria
compreensão do que deva ser considerado efetivamente
literatura brasileira.
Concorre para caracterizar essa expressão literária
como particularmente brasileira o fato de ter sido
realizada em território pátrio, a partir
de uma vivência telúrica radicalmente
nacional; concorre para caracterizá-la como
lusitana, o fato de ter sido realizada por escritores
portugueses, a partir de mundividência profundamente
européia. Cria-se, assim, um impasse. Em qualquer
dos casos, uma posição equânime
do problema implica compreender as características
intrinsecamente nacionais da literatura aqui produzida
a partir do século XVI, a fim de estabelecer
com mais precisão os limites do que se pode
considerar autenticamente nacional em termos de literatura.
(3)
A
questão se estende até o século
XIX, época marcada por vários acontecimentos
políticos que, de certa forma, acabaram influenciando
outras esferas da atividade humana, como a própria
cultura nacional. Este fato deu à época
uma característica singular, dentro de nosso
vasto e diversificado contexto histórico, destacando-se
um profundo sentido de transformação.
Com
efeito, talvez nenhum outro período de nossa
história política e cultural tenha sofrido
tantas e tão contundentes metamorfoses. No
Brasil, em particular, tais modificações
assumiram uma roupagem característica, revelando
um aspecto, em certa medida, próprio das transformações
aqui realizadas. Nesse sentido, é possível
verificar que as modificações ocorridas
no cenário nacional destacaram-se sobretudo
por se afirmarem como uma interrupção
mais ou menos súbita de um processo contínuo.
Evidentemente, não estamos falando em revolução,
termo mais apropriado ao campo das ciências
sociais, mas antes de um fenômeno que se consolida
dentro do universo cultural, em geral, e da criação
literária, em particular, como uma ruptura.
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