Assim, a denominação que deveria ser dada a apenas um parco conjunto de obras acabou se estendendo para toda o período literário, desrespeitando a particularidade de cada gênero e as idiossincrasias de cada autor

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Literatura Brasileira, Crítica e Identidade Nacional

por Mauricio Pedro Da Silva
 
 

Quando teria surgido a Literatura Brasileira? Feita assim, de imediato, a pergunta pode parecer um contra-senso, mas com certeza adquire uma inesperada procedência quando percebemos tratar-se de uma questão que ultrapassa o mero âmbito das formalidades cronológicas para atingir, em cheio, a própria concepção do que seja a literatura, devidamente balizada pelo epíteto brasileira. Uma discussão, aliás, que se adensa na medida exata de nossa consciência diante do irretorquível fato de que a Literatura Brasileira tem sido considerada uma das mais significativas manifestações culturais a marcar, de modo indelével, o lastro identitário nacional.

O Brasil conheceu um período colonial que, formalmente, se estendeu do início do século XVI até sua independência, na primeira metade do século XIX. Neste período, incontáveis eventos contribuíram direta ou indiretamente para a formação do país como nação politicamente independente, autonomia que contribuiria, paulatinamente, para uma conformação cultural própria.

Contudo, ao par de uma expressão literária particularizada —a qual, não obstante, mantinha-se caudatária de uma série de traços culturais alienígenas— surgiam também os problemas concernentes a uma condição tão singular. É o que se pode verificar com a chamada Literatura de Informação, tal como é conhecida nos meios acadêmicos nacionais as primeiras manifestações literárias em terras brasileiras, ainda no século XVI.

De acordo com os manuais de literatura, tal expressão estética constituiu-se na nossa primeira escola literária, tendo conhecido o desenvolvimento de diversos gêneros, nomeadamente a narrativa epistolar, a poesia didático-religiosa, a prosa informativa e a crônica historiográfica. Ocorre que nem todas as obras produzidas sob tais denominações podem ser consideradas, ipsis litteris, de informação, como sugere a nomenclatura dada à escola. Um confronto entre a célebre epístola de Caminha e a poesia teológica de Anchieta já é suficiente para chamar nossa atenção para a complexidade deste problema, que embora de natureza taxionômica, acaba comprometendo o próprio entendimento da produção literária do período. O lapso metodológico aí presente, ao se considerar um período tão eclético sob uma perspectiva unificadora, é facilmente explicado: a denominação genérica dada à produção da época não se refere, na realidade, senão à manifestação particular dos textos deliberadamente informativos. Assim, a denominação que deveria ser dada a apenas um parco conjunto de obras acabou se estendendo para toda o período literário, desrespeitando a particularidade de cada gênero e as idiossincrasias de cada autor, o que, finalmente, acabou provocando uma verdadeira desordem conceitual. Em mais de um sentido, as obras aqui produzidas no período tiveram como característica principal a pluralidade de conceitos, o que torna a denominação dada ao conjunto no mínimo precária.

Embora a colocação de semelhante problema pareça ter sentido apenas numa discussão de natureza classificatória, reputamos importante ressaltar este aspecto da crítica brasileira, na medida exata em que questões de caráter taxionômico acabam, direta ou indiretamente, influenciando a própria compreensão do que deva ser considerado efetivamente literatura brasileira.

Concorre para caracterizar essa expressão literária como particularmente brasileira o fato de ter sido realizada em território pátrio, a partir de uma vivência telúrica radicalmente nacional; concorre para caracterizá-la como lusitana, o fato de ter sido realizada por escritores portugueses, a partir de mundividência profundamente européia. Cria-se, assim, um impasse. Em qualquer dos casos, uma posição equânime do problema implica compreender as características intrinsecamente nacionais da literatura aqui produzida a partir do século XVI, a fim de estabelecer com mais precisão os limites do que se pode considerar autenticamente nacional em termos de literatura. (3)

A questão se estende até o século XIX, época marcada por vários acontecimentos políticos que, de certa forma, acabaram influenciando outras esferas da atividade humana, como a própria cultura nacional. Este fato deu à época uma característica singular, dentro de nosso vasto e diversificado contexto histórico, destacando-se um profundo sentido de transformação.

Com efeito, talvez nenhum outro período de nossa história política e cultural tenha sofrido tantas e tão contundentes metamorfoses. No Brasil, em particular, tais modificações assumiram uma roupagem característica, revelando um aspecto, em certa medida, próprio das transformações aqui realizadas. Nesse sentido, é possível verificar que as modificações ocorridas no cenário nacional destacaram-se sobretudo por se afirmarem como uma interrupção mais ou menos súbita de um processo contínuo. Evidentemente, não estamos falando em revolução, termo mais apropriado ao campo das ciências sociais, mas antes de um fenômeno que se consolida dentro do universo cultural, em geral, e da criação literária, em particular, como uma ruptura.

 

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